Biografia resgata legado do diretor Luís Antonio Martinez Corrêa

 

Para as novas gerações uma menção a Luís Antonio Martinez Corrêa possivelmente não represente muita coisa além do sobrenome que leva ao vínculo imediato com o irmão mais famoso, José Celso. Desde sua morte trágica e precoce, aos 37 anos, em 1987, sua obra ficou restrita à memória dos amigos e do público que viu a Ópera do Malandro, parceria com Chico Buarque, O Percevejo e Theatro Musical Brazileiro.

No livro Luís, um Malandro Burguês (Editora Casa da Árvore), as jornalistas Danielle Aquino e Manoela Marques resgatam o legado do ator, diretor e provocador Luís Antonio, um artista que foi muito mais do que “o irmão do Zé Celso”. E também na morte ele deixou seu legado. A série de protestos e manifestações de grandes artistas depois de Luís Antonio ser assassinado com mais de 80 facadas por um garoto de programa, no Natal de 1987, deu visibilidade até então inédita a uma tragédia nacional, a da violência causada por homofobia.

Localizada a 270 quilômetros de São Paulo, Araquara e seus 143 mil habitantes se orgulham de ter dado ao Brasil personalidades como o escritor Ignácio de Loyola Brandão, a socióloga Ruth Cardoso e, claro, Zé Celso Martinez Corrêa, criador do Teatro Oficina e desde os anos 1960 um dos mais importantes nomes dos palcos brasileiros.

Radicadas na cidade, as autoras da biografia partem do ambiente familiar dos Martinez Corrêa para traçar a trajetória do caçula de seis irmãos, Luís Antonio, desde as peças amadoras dirigidas por outra irmã ligada aos palcos, Anna Maria, passando pelo início da carreira profissional em São Paulo, onde apresentou seu primeiro espetáculo no porão do Oficina, até o reconhecimento nacional no Rio de Janeiro.

Apaixonado por Bertolt Brecht, Luís valorizou a canção como elemento fundamental da narrativa cênica desde o início da carreira, quando misturava paródias dos Beatles com as tramas de forte teor político do dramaturgo alemão, ainda em Araraquara.

Depois de dirigir a Ópera do Malandro, em 1978, Luís passou a pesquisar partituras do antigo teatro de revistas do século 19, que resultou em dois espetáculos, Theatro Musical Brazileiro 1 e 2. Numa época na qual política e arte eram praticamente indissociáveis, ousou contestar dogmas da esquerda engajada na premiada montagem de O Percevejo, em 1979. “A esquerda brasileira sempre foi muito fechada”, justificou o diretor numa entrevista ao jornal Última Hora. “Torna-se indispensável entender que, por causa de Maiakovski, de Brecht e Isadora Duncan, foram possíveis Lenin, Marx. Aquele pessoal da virada do século era muito louco, e para conter a loucura criadora deles é que surgiu Stalin, surgiu Getúlio no Brasil. Para conter aquela coisa forte que estava nascendo”, disse o diretor nessa mesma entrevista.

Luís Antonio ainda colhia os frutos da segunda parte do Theatro Musical Brasileiro quando chegou da praia no dia 23 de dezembro de 1987 e autorizou o porteiro do prédio a deixar o jovem Gláucio Garcia de Arruda subir até seu apartamento, o 405.

Pouco mais de uma hora depois Gláucio deixou o local carregando duas sacolas. O corpo de Luís Antonio só foi encontrado no dia seguinte caído sobre uma poça de sangue. Ele foi estrangulado com a toalha e esfaqueado. Gláucio chegou a ser preso mas, apesar de fortes evidências como a posse de objetos furtados do apartamento de Luís Antonio, foi liberado pela polícia.

Zé Celso, inconformado, deu início a uma série de protestos e rituais em homenagem ao irmão caçula nos quais pedia justiça. A presença de grandes nomes do teatro e da TV ajudou a lançar luz sobre uma questão que até então era tabu na sociedade brasileira.

Gláucio foi julgado e condenado a 26 anos de prisão. Durante o julgamento, ninguém entendia porque o assassino fazia o sinal de vitória em direção às irmãs da vítima. Foi solto apenas quatro anos depois.

As conclusões finais redigidas pelo advogado Nilo Batista, assistente de acusação, servem até hoje como um manifesto em defesa dos direitos civis da população LGBT, principalmente numa época em que os avanços neste campo estão sob ameaça de setores conservadores.

“Estranho país este que – na virada do século – retorna às práticas jurídicas medievais para aceitar a criminalização das condutas homossexuais e sua penalização física, mantendo na impunidade o assassinato. Com certeza este não é o país em que o homossexualismo não constitui crime, em que as penas físicas são lembranças amargas do passado, em que a tendência à incriminação da vítima foi revertida pela rejeição predominante da anacrônica tese da legítima defesa de honra. Este não é o país em que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicção política’, mas sim o país onde os apetites individuais manifestam-se sem o freio das instituições jurídicas modernas e democráticas.”

O Estado de S.Paulo

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